domingo, 20 de abril de 2008

Cultura: A gente vê por aqui - Oficina de Poesia

Ao contrário do que o mecanismo ideológico global faz com a população brasileira, nós do Projeto Kane daremos, sim acesso à cultura a nós mesmos e a todos que estiverem interessados. É muito fácil e ideológico dizer "Cultura a gente vê por aqui" uma vez que a Globo não possui sequer um programa que se possa dizer cultural, comparado com a única rede de televisão pública que realmente faz programas culturais: A Cultura.
Novela é cultura? Jornal Nacional é cultura? Fantástico é cultura? impossível de ser cultura, pois esses programas só existem porque são patrocinados por conglomerados empresariais, detentores do capital financeiro e que não querem de maneira alguma que o povo alcance aquilo que é de direito do povo: educação e cultura. A burguesia parasitária do povo diz que "a educação é um direito de todos", mas não faz praticamente nada pra melhorar o ensino no país, ao contrário, patrocina o mesmo espetáculo macabro que é exibido todos os dias na famosa novela das oito obrigando o povo a desejar um modo de vida luxuoso que nós sabemos, está muito aquém do que à maioria pode comprar.

CONSIDERAÇÃO DO POEMA

Não rimarei a palavra sono
com a incorrespondente palavra outono.
Rimarei com a palavra carne
ou qualquer outra, que todas me convêm.
as palavras não nascem amarradas,
elas saltam, se beijam, se dissolvem,
no céu livre por vazes um desenho,
são puras, largas, autênticas, indevassáveis.

Uma pedra no meio do caminho
ou apenas um rastro, não importa.
Estes poetas são meus. De todo orgulho,
de toda a precisão se incorporaram
ao fatal meu lado esquerdo. Furto a Vinicius
sua mais límpida elegia. Bebo em Murilo.
Que Neruda
me dê sua gravata
chamejante. Me perco em Apollinaire. Adeus, Maiakovski.
São todos meus irmãos, não são jornais
nem deslizar de lancha em camélias:
é toda minha vida que joguei.

Estes poemas são meus. É minha terra
e é ainda mais do que ela. É qualquer homem
ao meio-dia em qualquer praça. É a lanterna
em qualquer estalagem, se ainda as há.
__Há mortos? Há mercados? Há doenças?
É tudo meu. Ser explosivo, sem fronteiras,
por que falsa mesquinhez me rasgaria?
Que se depositem os beijos na face branca, nas principiantes rugas.

O beijo ainda é um sinal, perdido embora,
da ausência de comércio,
boiando em tempos sujos.

Poeta do finito e da matéria,
cantor sem piedade, sim, sem frágeis lágrimas,
boca tão seca, mas ardor tão casto.
Dar tudo pela presença dos longínquos,
sentir que há ecos, poucos, mas cristal,
não rocha apenas, peixes circulando
sob o navio que leva esta mensagem,
e aves de bico longo conferindo
sua derrota, e dois ou três faróis,
últimos! Esperança do mar negro.
Essa viagem é mortal, e começá-la.
Saber que há tudo. E mover-se em meio
a milhões e milhões de formas raras,
secretas, duras. Eis ai meu canto.

Ele é tão baixo que sequer o escuta
ouvido rente ao chão. Mas é tão alto
que as pedras o absorvem. Está na mesa
aberta em livros, cartas e remédios.
Na parede infiltrou-se. O bonde, a rua,
o uniforme de colégio se transformam,
são ondas de carinho te envolvendo.

Como fugir ao mínimo objeto
ou recusar-se ao grande? Os temas passam,
eu sei que passarão, mas tu resistes,
e cresces como fogo, como casa,
como orvalho entre dedos,
na grama, que repousam

Já agora te sigo a toda parte,
e te desejo e te perco, estou completo,
me destino, me faço tão sublime,
tão natural e cheio de segredos,
tão firme, tão fiel... Tal uma lâmina,
o povo, meu poema, te atravessa.

Carlos Drummond de Andrade - A Rosa do Povo - RECORD - 35 ed. p.21-23

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